Ela é um dos mistérios mais impenetráveis da natureza humana. Mas
está longe de ser uma lenda: a intuição não só existe como é essencial
para a nossa vida. E as decisões motivadas por ela podem ser melhores
que as mais racionais. Saiba como usar essa ferramenta do cérebro.
O rapaz da câmera pede que Júlio Rasec fale alguma coisa. Júlio está
de partida para Portugal. O sujeito que filma, um amigo, quer registrar
os últimos momentos dele no Brasil. Mas Júlio não quer papo. Está
angustiado. Só diz para a câmera: "Esta noite eu sonhei com um negócio
assim... Parecia que o avião caía..." Júlio era tecladista do Mamonas
Assassinas. Doze horas depois dessa gravação, em 2 de março de 1996, o
Learjet que levava a banda bateu na serra da Cantareira, perto de São
Paulo.
Outro caso: Cida Moraes, participante do Big Brother em
2002, tinha uma irmã com câncer. Numa manhã, dentro da casa do BBB,
Cida começa a ouvir vozes na cabeça dela. Entende aquilo como a irmã
chamando por ela. Horas depois a produção avisa Cida que a irmã acaba de
morrer. Sua intuição, como a de Júlio, parecia passar uma mensagem.
A intuição humana é um fenômeno tão bizarro quanto comum. Quem nunca
sentiu aquele comichão na boca do estômago dizendo "tem alguma coisa
aí"? Mesmo os casos em que não há tragédia no meio não são menos
assustadores. Existem pessoas cuja intuição é tão poderosa que elas
parecem capazes de ler a mente das pessoas. Não só das pessoas: o
psicólogo americano Silvan Tomkins, por exemplo, enriqueceu apostando em
cavalos porque, segundo ele, sabia se um animal poderia vencer "só de
olhar a expressão no rosto dele". Mas e aí? Tudo isso é real? A intuição
é mesmo capaz de ler mentes? E de prever o futuro? A resposta é
contraintuitiva.
Mas o que é intuição, afinal de contas?
Grosso modo, dá para dizer que existem 3 tipos bem diferentes. O 1º é
aquilo de saber o que outra pessoa está sentindo sem fazer força. É "ler
a mente" dos outros. O 2º tipo de intuição é o que tem a ver com a
experiência: você pratica tanto alguma coisa que não precisa mais pensar
para fazê-la - tipo trocar as marchas do carro. Só que algumas pessoas
aprendem a fazer coisas bem menos banais. Quase sobrenaturais, na
verdade. O 3º tipo é o mais polêmico. É o daquela intuição do Júlio do
Mamonas e da Cida do BBB: a capacidade de prever o futuro.
Então vamos começar por esse, claro. Do ponto de vista científico, nós
temos premonições o tempo todo. É que prever o futuro pode ser algo tão
simples quando saber que, quando um pit bull late para você de dentro de
uma garagem com o portão aberto, é sinal de um grande problema pela
frente. Nós precisamos desse nível básico 1 de premonição para
sobreviver. Mas isso é algo tão automático que ninguém nem chama de
"prever o futuro". Premonição para valer é algo mais complexo, como ter
certeza de que um avião vai cair, certo? Você sabe disso. Mas seu
cérebro não.
Ele trata os problemas simples e os complexos do
mesmo jeito. Por exemplo: sua massa cinzenta tem 100% de confiança que,
depois de um raio, vai vir o som de um trovão. Ok. E nesses casos, que
dependem de leis regulares da natureza, ela acerta sempre. Mas o cérebro
é gente como a gente: bastam esses pequenos sucessos que ele se
empolga, fica se achando. Aí tenta prever coisas bem mais complexas,
como as chances de seu avião sofrer um acidente.
Claro
que ele não tem nenhuma competência para isso. Mas acha que tem. Então,
num dia em que você estiver indo para o aeroporto e sentir que não deve
embarcar, lembre-se: é que seu cérebro ficou computando o risco de o
avião cair e, desta vez, concluiu que, sim, se você entrar na aeronave,
acabou.
Só que tem uma coisa: se você não der ouvido a ele,
embarcar e nada acontecer, a premonição errada vai para o lixo da mente
junto com bilhões de outros erros de avaliação que o cérebro faz o tempo
todo. E fica tudo por isso mesmo.
Já se você ficou com tanto
medo que achou melhor não viajar e o avião acabou caindo, a certeza de
que a previsão estava certa será total. Até por isso as histórias de
premonições nunca param: houve 51 acidentes com aviões comerciais em
2009. Se só um dos passageiros que deveriam estar nesses voos não
embarcou por medo, temos um caso praticamente comprovado de premonição.
Ou seja: a chance de que haja coincidência não é nada desprezível. E
vale a mesma coisa no caso de quem prevê a morte de uma pessoa querida. A
Cida do BBB sabia que a irmã estava doente. Havia uma preocupação
natural. E mais: da mesma forma que o cérebro pode dizer que o avião vai
cair e não tem outro jeito, ele pode dar um tilt e concluir por A + B
que uma pessoa vai morrer num determinado dia. Isso é o que explica o
caso de Cida.
Mas o lado puramente ilusório da intuição acaba
aí. O que vamos ver daqui para a frente são fatos reais, ligados àqueles
outros dois tipos de intuição. E, justamente por serem fatos reais,
concretos, são os que mais assustam.
Superpoderes do cérebro
Victor Braden percebeu que acontecia algo estranho toda vez que ele
assistia a uma partida de tênis: viu que sabia quando um tenista ia
cometer dupla falta. No jogo, para quem não sabe, o atleta tem duas
chances de sacar. Então pode soltar o braço na 1ª e, se a bola for na
rede ou para fora, parte para a 2ª tentativa. Dupla falta é quando ele
erra nesta última. Bom, Victor percebeu que era só o tenista jogar a
bolinha para cima, na fração de segundo entre o movimento de saque e o
toque na bola, ele podia dizer "Putz, dupla falta!" que não tinha erro: o
tenista perdia o saque. Nosso vidente aqui é um bem-sucedido treinador
de tênis. Mas isso não parecia o suficiente para justificar tal
desempenho. Duplas faltas são raras. Um jogador profissional pode sacar
centenas de vezes e cometer só 3 ou 4 delas. "Cheguei a ficar com medo.
De cada 20 palpites eu estava acertando 20!", disse Braden ao jornalista
Malcom Gladwell (que narrou essa história em seu livro Blink, sobre
intuição).
Que tipo de sutilezas de movimento Braden observava
para diagnosticar um saque defeituoso antes que ele acontecesse? Ele não
tem como responder. Simplesmente sabe se o tenista vai acertar ou não. E
ele não é um caso isolado. Esse mesmo instinto guiou 6 especialistas
diferentes em arte antiga quando eles viram o que estava sendo
propagandeado como uma obra-prima da escultura grega. Era a estátua de
um jovem nu supostamente datada do século 6 a.C. pela qual o Museu J.
Paul Getty, nos EUA, tinha pago US$ 10 milhões. Análises conduzidas pelo
geólogo Stanley Margolis, da Universidade da Califórnia, revelaram que a
estátua estava recoberta por uma fina camada mineral, que só poderia
ter sido formada ao longo de centenas de anos, ou mesmo milênios, de
envelhecimento do mármore. Mas os especialistas bateram o pé: algo lhes
dizia que a estátua era falsa. Eles não sabiam dizer exatamente por quê.
Mas tinham uma sensação firme de que a estátua era falsa. Quem estava
certo, a análise do geólogo ou o olhômetro instantâneo dos
especialistas? O olhômetro. Pouco a pouco, investigações conduzidas pelo
museu (depois que ele já tinha desembolsado a dinheirama para adquirir a
estátua, infelizmente) mostraram, entre outras coisas, que os
certificados de autenticidade da obra tinham sido falsificados; que uma
escultura bem parecida com ela tinha vindo da oficina de um falsificador
em Roma; e que a suposta cobertura mineral antiga podia ser produzida
em dois meses, com a ajuda de bolor de batata. Pois é. A intuição se
mostrou mais racional que a razão.
O que Braden e os
especialistas em arte sentem é aquele outro tipo de intuição: o que
melhora com a experiência sem que a gente se dê conta. Tudo de forma
inconsciente.
O psicólogo Timothy Wilson, da Universidade da
Virgínia, compara essa habilidade ao piloto automático das aeronaves. "A
mente trabalha melhor relegando ao inconsciente uma boa parcela do
pensamento racional, assim como um jato de passageiros consegue voar com
pouca intervenção do piloto."
Alimentar essa máquina
inconsciente é simples. Se você joga tênis, pode ir acumulando tantas
informações sobre o jogo ao longo dos anos a ponto de, um dia, prever se
um tenista vai cometer dupla falta sem pensar um segundo.
Um
experimento da Universidade de Iowa conseguiu flagar esse processo de
aprendizado inconsciente no momento em que ele acontecia.
O
experimento envolvia 4 maços de cartas, dois azuis e dois vermelhos. A
missão dos voluntários da brincadeira era ir virando as cartas ao acaso:
dependendo do que aparecia nelas, a pessoa ganhava ou perdia pequenas
quantias em dólares. A sacanagem embutida na experiência é que as cartas
vermelhas ofereciam um ou outro prêmio bacana, mas na maioria das vezes
correspondiam a grandes penalidades, que fariam o jogador ficar sem
nada se ele insistisse em virá-las. O bom mesmo era virar só as cartas
azuis, que sempre traziam um prêmio considerável e, no máximo,
penalidades suaves. O grupo de Iowa queria saber com que velocidade os
jogadores perceberiam a maldade e passariam a preferir as cartas azuis. É
aqui que a coisa fica maluca. Após virar, em média, umas 50 cartas, os
participantes já passavam a evitar quase sempre os maços vermelhos. Mas
eles não sabiam dizer o motivo. Eles só conseguiam explicar por que
preferiam os maços azuis quando o número de cartas viradas chegava a 80.
Para entender melhor o que se passava na cabeça dos participantes, os
cientistas mediram suas reações fisiológicas. Então plugaram os sujeitos
numa máquina que mede a produção de suor nas glândulas que as pessoas
têm na palma das mãos.
Ora, como sabe qualquer pessoa que já
tenha passado por uma entrevista de emprego, é comum que as mãos fiquem
molhadas de suor quando estamos nervosos, um indicador clássico de
estresse. Acontece que, em torno da 10ª carta virada - umas 40 cartas,
portanto, antes de as pessoas conseguirem verbalizar a razão de seu
desconforto -, o suadouro nas mãos ligado ao estresse já se manifestava
diante do maço de cartas vermelhas.
Uma regra inconsciente já
tinha se apoderado do sistema nervoso dos participantes sem que eles
soubessem. A intuição dizia para eles tomarem a atitude certa antes que a
parte racional do cérebro soubesse o que estava acontecendo. Intuição 1
x 0 razão. E não é só no baralho que isso acontece, claro. Essa mesma
lógica irracional pode determinar se um casamento vai dar certo ou não.
A equipe do psicólogo e terapeuta de casais John Gottman desenvolveu o
que poderíamos considerar uma versão mais sofisticada do experimento das
cartas. Foi um processo bem mais trabalhoso: ao longo de décadas,
Gottman e companhia observaram e filmaram 3 mil casais em conversas
supérfluas, sobre qualquer tema do relacionamento deles que tivesse
desembocado em alguma discordância - o novo cachorro da casa, por
exemplo.
Só para garantir a correlação entre o que era dito e
as reações automáticas do organismo (muito menos mentirosas que as
palavras), marido e mulher também eram plugados a medidores de
batimentos cardíacos, temperatura da pele e produção de suor. Os
pesquisadores da Universidade de Washington logo perceberam que apenas 4
indicadores eram suficientes para prever o fracasso de um
relacionamento. Gottman apelidou esses indicadores de Quatro Cavaleiros
(por analogia com os do Apocalipse): ficar na defensiva, dificultar a
discussão, crítica e desprezo.
"Desses, no entanto, o desprezo
de longe é o mais importante", afirma Paul Bloom, psicólogo da
Universidade Yale (EUA) que adota a classificação proposta por Gottman.
"A sentença de morte de um casamento não é quando o casal briga muito,
nem mesmo quando eles parecem se odiar, mas quando há desprezo
recorrente", diz Bloom. Pequenos sinais dessa emoção negativa em
conversas, como rápidas viradas de olhos, especialmente se aparecerem
com frequência, são marcas tão claras de que a coisa vai mal que a
equipe de Gottman já está conseguindo índices de previsão próximos a 90%
analisando apenas 3 minutos de conversas em vídeo.
Para
Gottman e seus colegas, o fato de que essas pequenas amostragens de
conversas são o suficiente para prever o futuro de um casamento sugere
que os relacionamentos possuem uma espécie de "pulso" ou "assinatura"
constante, que tende a se repetir ao longo do tempo. Portanto, bastaria
conseguir captar esse "pulso" de forma mais ou menos instantânea para
saber o que vai acontecer no longo prazo. Se alguém recém-separado diz
algo como "Intuí na lua de mel que o nosso casamento não daria certo", é
que o cérebro dele, ou dela, pescou essas assinaturas sem pensar.
O mesmo fenômeno detectado nos casais está presente em outras formas de
percepção ultrarrápida. Se você achou que 3 minutos é pouco tempo para
intuir alguma coisa, precisa conhecer um estudo da psicóloga Nalini
Ambady, da Universidade Tufts. Ela concluiu que dois segundos é o
suficiente para que a sua intuição seja capaz de tomar decisões. E
acertar. Nalini mostrou para voluntários uma série de vídeos de dois
segundos, cada um com um professor dando aula. O objetivo dos
participantes era prever quais mestres seriam bem avaliados pelos
próprios alunos e quais não. Note bem: os alunos tinham 6 meses de aula
com o sujeito para dar seu parecer. Os voluntários, só dois segundos. E o
que aconteceu? Os voluntários previram tudo certinho.
Não foi o
único experimento assim. Em outro, Nalini colocou um vídeo mostrando
vários cirurgiões. Alguns tinham sido processados por clientes. A tarefa
dos voluntários era descobrir quais, enquanto eles falavam. Para
complicar, a psicóloga usou um software que remove do vídeo as
frequências da fala humana. Os voluntários só conseguiam perceber a
entonação das vozes. E acertaram também!
Parece absurdo, mas
você ainda não viu nada. Às vezes basta algo tão sutil quanto o
movimento de um único músculo do rosto para você criar uma primeira
impressão de alguém. E, como a primeira é a que fica, melhor prestar
atenção na nossa próxima parte.
A verdade está na cara
Basta engatar uma conversa com alguém para um turbilhão inconsciente
invadir sua cabeça. É a sua mente tentando descobrir o que o outro está
pensando e sentindo de verdade. Por exemplo: se você conhece duas
pessoas em um dia, pode muito bem ficar com impressões completamente
opostas de cada uma, mesmo que o teor das conversas tenha sido
exatamente o mesmo. Uma pode parecer simpática e a outra falsa. Isso
acontece porque a comunicação verbal não vale nada para o seu
inconsciente. O que ele capta são as expressões faciais do outro. Se uma
daquelas pessoas riu durante a conversa, mas sem mover os olhos, seu
cérebro vai saber que aquilo é uma expressão forjada. Você pode nem
perceber que viu um sorriso de mentira. Mas seu cérebro percebe - e isso
vai afetar o julgamento que você faz do interlocutor. A análise de
expressões faciais é tão instintiva que, se você cutuca um bebê que está
na dele, brincando, ele vai olhar no seu rosto para saber se você é uma
ameaça. E, se você simular que é uma ameaça, fazendo uma careta, por
exemplo, ele vai dar logo seu sinal de desaprovação. Nada é mais
amedrontador para um ser que nasce sabendo ler expressões do que um
monte de músculos distorcidos na face. Apesar de fundamental, isso de
ler a mente dos outros a partir de expressões sutis do rosto é uma
ciência pouco estudada. Quase tudo o que se sabe disso vem do trabalho
de dois cientistas: Silvan Tomkins, aquele psicólogo de Princeton que
dizia saber ler as expressões dos cavalos, e Paul Ekman, seu pupilo,
hoje professor aposentado da Universidade da Califórnia em São
Francisco. Os dois, por sinal, servem de inspiração para o Dr. Carl
Lightman, protagonista da série Lie to Me. Se você já assistiu, conhece o
principal trabalho de Ekman: a descoberta das microexpressões. Ele
catalogou, uma a uma, cerca de 3 mil combinações de movimentos
musculares do rosto. O resultado foi um mapa quase completo das
expressões humanas. Mas o principal veio depois. Após estudar horas e
horas de vídeo de milhares de pessoas, ele percebeu a presença constante
de movimentos faciais que duram uma fração de segundo. Eram movimentos
correspondentes a emoções que, pelo visto, as pessoas estudadas estavam
tentando ocultar. Alguém simulando bom humor, por exemplo, poderia
mostrar muito brevemente os lábios estreitados que caracterizam uma
expressão de raiva. A mera existência das microexpressões significa que
nossos instintos podem ser capazes de ler a mente dos outros de forma
muito mais complexa do que detectar sorrisos falsos. Tomkins que o diga.
Ele tinha ido visitar Ekman em seu laboratório enquanto ele estudava as
expressões de nativos de Papua-Nova Guiné. Algumas imagens eram da
tribo fore, um povo bem pacífico. As outras eram dos kukukuku, um grupo
guerreiro e sodomita, que obrigava os jovens da tribo a fazer sexo com
mais velhos. Tomkins não sabia de nada disso quando começou a ver as
imagens no laboratório. Mas então olhou para uma foto dos fore e disse:
"Hum... Esse povo me parece muito educado e gentil". Então apontou para a
de um kukukuku: "Este outro é violento, e estou vendo evidências de
homossexualidade". Ekman ficou de queixo caído. Quando perguntou como
Tomkins tinha adivinhado, o mestre só apontou para pequenas rugas e
protuberâncias que caracterizavam as expressões no rosto dos
fotografados. Era tudo o que o psicólogo precisava para entrar na mente
deles.
Tomkins é um fenômeno, claro. Mas isso só significa que
algumas pessoas sabem ler microexpressões melhor do que outras. Você
mesmo pode ser um mestre nato nisso e não saber. Mas, se você tem
certeza de que não é, não há nada perdido. Do mesmo jeito que um
especialista em tênis aprende a ler todos os movimentos dos jogadores,
com bastante treino você pode perceber expressões que passavam batido e
melhorar sua capacidade intuitiva (e dá para começar com o jogo que você
viu ao longo desta reportagem). Mas, mesmo que você fique bom nisso, é
melhor usar com cuidado.
O próprio Ekman faz uma ressalva
importante: a presença de microexpressões serve apenas para indicar que a
pessoa está reprimindo certas emoções. Não é suficiente, portanto, para
revelar o porquê dos sentimentos conflitantes. Uma cara de raiva
disfarçada (veja no jogo) não significa automaticamente que a pessoa
está brava com você. Pode ser por qualquer outro motivo. E isso você não
tem como saber de forma intuitiva, claro. Outro problema de seguir as
intuições cegamente: somos preconceituosos. Mesmo quando achamos que
não. Quer ver? Então responda rápido: qual cidade é mais ao norte no
planeta? Lisboa ou Toronto? A alternativa certa é a cidade portuguesa,
não a canadense. Mas as imagens-clichê do Canadá sempre cheio de neve
enganam a intuição.
Um experimento de Keith Payne, psicólogo da
Universidade da Carolina do Norte, mostra uma face mais sombria da
mesma coisa. Payne colocava os participantes diante da tela de um
computador. Aí aparecia rapidamente um rosto branco ou negro. Depois
surgia na tela um desses dois objetos: ou uma chave inglesa ou um
revólver. Tudo num piscar de olhos. E as pessoas tinham que dizer o que
viram. O resultado? Elas identificavam mais rápido o revólver quando a
imagem dele ele era precedida por um rosto negro do que por um branco.
Payne, então, colocou os voluntários sob pressão: tinham de dar a
resposta em meio segundo. Aí muitos passaram a dizer que a chave inglesa
era um revólver quando ela aparecia depois do personagem negro. A única
maneira de diminuir o preconceito inconsciente nas respostas era dar
mais tempo para o pessoal determinar, com calma, o que tinha visto.
E, ei, isso vale para todo mundo: reflita bem antes de achar que viu
sinal de um dos "Quatro Cavaleiros" dos relacionamentos no rosto de quem
você ama ou de concluir que o sorriso do seu vizinho quando ele dá
bom-dia não é verdadeiro. Pensar de menos, afinal, pode ser tão perigoso
quanto pensar demais.